domingo, 23 de dezembro de 2012

Máquina e Imaginário


Arlindo Machado
 1.    O que o autor define como as estéticas informacionais?
Visavam construir modelos matemáticos rigorosos, capazes de avaliar a informação estética contida num objetivo dotado de qualidades artísticas. Tinha como meta aplicar à produção artística princípios formulados na confluência da teoria da informação com a cibernética.

2.    Em que sentido o autor aplica o mesmo raciocínio de Walter Benjamin sobre a fotografia e o cinema em relação à arte produzida com recursos tecnológicos?
Que o importante é perceber que a existência das obras a partir do uso dos novos recursos tecnológicos colocam em crise os conceitos tradicionais e anteriores sobre o fenômeno artístico, exigindo novas formulações diante das transformações que estão ocorrendo, de uma nova situação.
 “As novas tecnologias introduzem diferentes problemas de representação, abalam antigas certezas no plano epistemológico e exigem a reformulação de conceitos estéticos” (p. 24).

3.    Comente as seguintes passagens a respeito da relação da arte com a tecnologia:
“Podemos considerar a relação da arte com a tecnologia como um casamento marcado por períodos de harmonia e de crises conjugais” (P. 24).
O autor faz referências à concepção grega da arte vinculada à palavra téchne, de tecnologia, que representa qualquer prática produtiva sem distinção entre arte e técnica, o que perdurou até o período renascentista.  As atividades artísticas estavam estreitamente relacionadas aos avanços científicos no Renascimento. Diversos artistas adotavam e desenvolviam princípios com base na matemática e na física, por exemplo, para realizarem seus trabalhos, que não ficavam restritos a pinturas e esculturas. “... a máquina torna-se modelo conceitual para explicar e representar o universo físico natural” (p. 25).
O autor argumenta que a arte do século XX encontra-se em sintonia com os saberes e questões do seu tempo, assim como no período da arte grega, fazendo referências a diversos movimentos artísticos do início do século passado.
Machado afirma que: “Exposições recentes dedicadas ao tema das relações entre arte e tecnologia (...) demonstraram que se torna cada vez mais difícil fazer uma distinção categórica entre objetos originários da imaginação artística, da investigação científica e da invenção tecno-industrial” (p. 25).
E acrescenta apontando para o fato de que importantes centros de pesquisa estética na contemporaneidade são localizados em institutos de pesquisa tecnológica ou científica.
No entanto, o “divorcio” ocorreu no Romantismo, com os conceitos de genialidade individual e o papel do imaginário na arte. A partir desse conflito a arte torna-se autônoma e institucionalizada, o que deu início ao processo de especialização durante o século XVIII e foi fundamental para definir o novo “contrato matrimonial entre arte e tecnologia”, onde passam a ser partes distintas. A adoção de uma “postura sem submissão e sem papeis fixados na relação” foi a grande contribuição do romantismo para a arte em relação às tecnologias.

“Toda arte produzida no coração da tecnologia vive, portanto, um paradoxo e deve não propriamente resolver essa contradição, mas pô-la a trabalhar como um elemento formativo” (p. 28).
A arte não precisa e não pode ficar sujeita a procedimentos de padronização, de ordenamentos precisos e sem improvisação. “A arte é indiferente a qualquer tecnologia”, se alimenta e se realiza em processos de liberdade do imaginário, de certo grau de imprevisibilidade e ludicidade, de muita criatividade e autenticidade.
“(...) a arte produzida no coração das mídias e das tecnologias colocam os artistas no centro das engrenagens de poder, ao mesmo tempo em que afetam diretamente os modos de produzir e consumir, de comunicar e controlar da sociedade como um todo. Aquele que hoje se propõem exercitar o imaginário a partir de instrumentos, processos e suportes colocados pelas tecnologias de ponta devem estar preparados para enfrentar as regras de mercado, as instituições de controle e gerenciamento de recursos; devem também saber exatamente até onde podem ceder ou abrir mão de sua liberdade, sem comprometer a radicalidade de suas propostas. Em contrapartida, sua arte, longe de se confinar em museus, galerias ou salas de concerto, se fará penetrar em todos os lugares, difundindo-se por ondas eletromagnéticas ou por cabos telefônicos e ampliando ao infinito através dos satélites de comunicação. Pode-se dizer que essa arte tende a perder em concentração, estilo e refinamento, o que, por outro lado, ganha em amplitude, penetração e alcance social.” (p. 32)

4.    Comente o pensamento de Villém Flusser sobre o papel do artista na era das máquinas que foi exposto pelo autor:

O termo “funcionário da transmissão”, usado por Flusser sobre o papel do artista na “era da automação”, de certa forma, e como também está sendo tratado no texto, não fica restrito a esse período de desenvolvimento e apropriações intensas das tecnologias. No momento em que o artista é “contratado” ou recebe uma encomenda, por exemplo, na maioria das vezes sua criação fica restrita a um propósito ou contexto específico, são impostas limitações à sua criação. Ainda assim o artista lança mão de sua autonomia e de sua capacidade criadora e técnica para se expressar, mesmo diante dessas condições. E essas limitações  que podem ser diversas, por exemplo, tanto em relação aos instrumentos ou recursos disponíveis como em relação ao tema ou condições específicas, não impossibilitam o trabalho artístico.
Acredito que os artistas, e em grande medida os cientistas, sempre se apresentaram como os responsáveis (direta ou indiretamente) por vislumbrar novas possibilidades ou apontar novos caminhos. Desenvolvem seus trabalhos considerando não somente as perspectivas que se apresentam de forma objetiva e que estão postas ou impostas, buscam o que está além, o devir. Nesse sentido, independente do contexto atual, de certa necessidade de utilização de recursos tecnológicos e das condições impostas pelo sistema complexo de desenvolvimento no processo de criação artístico, o artista continua sendo (talvez de forma mais acentuada e em condições mais adversas) fundamental no processo de transgressão e exercício de liberdade, de vislumbrar novas possibilidades.

5.    A partir da leitura da seguinte passagem, discuta como o paradoxo mencionado na questão 3 está relacionado com o papel do artista.
“Sem a intervenção desse imaginário radical, as máquinas sucumbem nas mãos dos funcionários da produção, que não fazem senão preenchê-las com “conteúdos” de mídias anteriores, repetindo em linguagens novas soluções já cristalizadas em linguagens mais antigas” (p.28).
Que diante dessas mudanças, da intensificação e mesmo imposição no uso das novas tecnologias, é fundamental o desenvolvimento de projetos culturais e estéticos que ampliem as possibilidades dos novos meios para propor e enriquecer o universo cultural. Não podemos ficar restritos ou submissos aos aspectos simplesmente técnicos dos equipamentos, assim como das constantes “novas” descobertas tecnológicas. E os artistas podem ser decisivos nos processos de criação e novas formas de percepção do mundo a partir desses avanços (ainda que sujeitos às imposições da indústria, dos dispositivos tecnológicos e do mercado).

6.     O que seriam as máquinas semióticas defendidas pelo autor?
São máquinas dedicadas á tarefa de representação.

7.    O autor aponta pelo menos duas limitações que comprometem a argumentação dos críticos da fusão arte/tecnologia. (p.36) Explique cada uma delas:
Primeira: a crítica aos determinismos da máquina pode ser aplicada a qualquer processo cultural de qualquer tempo. Os artistas sempre estiveram sujeitos, em certa medida, às determinações de sua matéria e às possibilidades de uso de seus instrumentos de trabalho.
Segunda: nem o mais fechado dos sistemas simbólicos pode ser reduzido à medida e determinações de possibilidades. As limitações de manipulabilidades são constatações teóricas, que podem na prática ser expandidas. A imaginação do homem, que cria, desenvolve e usa as máquinas, jamais será passível de restrições ou poderá ser quantificada.

8.    Explique as mudanças ocorridas com a arte tecnológica no que diz respeito ao papel desempenhado pelo autor na criação artística (p.33-44).
As máquinas desempenham um papel fundamental na atividade simbólica do homem contemporâneo, que pode ser mais ampla que as formas de utilização normalmente praticadas.
A evolução técnica não pode ser entendida (ou vista) simplesmente como redutora do campo da criatividade estética e que a máquina (e seus construtores) impõem limites intransponíveis à liberdade de criação artística. Existem, em grande quantidade, os “apertadores de botão” ou “funcionários da transmissão”, que não fazem mais que cumprir e celebrar as promessas das máquinas e as finalidades do sistema industrial. Que os “produtos” desses supostos “artistas” são frutos muito mais das tecnologias das máquinas e dos processos produtivos do que do talento e da capacidade criadora.
No entanto, não se pode afirmar que o artista está condenado ás imposições e limitações das tecnologias.
“A questão principal, enfim, não é saber se o artista se torna menos ou mais livre, menos ou mais criativo trabalhando no coração das máquinas, mas se ele é capaz de recolocar as questões da liberdade e da criatividade no contexto de uma sociedade cada vez mais informatizada, cada vez mais imersa nas redes de telecomunicações e cada vez mais determinada pelas representações que faz de si mesmo através da indústria cultural” (p. 38-39).

9.    Comente as mudanças no estatuto do receptor com o surgimento da arte tecnológica a partir da seguinte passagem:
 “A recepção é, portanto incorporada ao circuito produtivo como um mecanismo de diálogo, responsável pela consistência do produto final em cada uma de suas infinitas manifestações” (p. 40).
Talvez a obra de arte de todos os tempos tivesse como condição subjacente não somente a criação artística individual, mas uma operação dialógica que participam diversos agentes e fatores, e que, de certa forma, o envolvimento dos “receptores de produtos culturais”, ou, de forma talvez inadequada, dos espectadores, sempre foi parte integrante e fundamental para a manifestação artística. Um fator de grande relevância nos artefatos artísticos provenientes dos recursos tecnológicos na contemporaneidade é, sem dúvida, o receptor. “Componente” incluído no processo de produção artística para a efetiva “conclusão” (ou execução e realização) da obra, ou seja, a figura do espectador passivo e observador dá lugar ao “espectador-autor” para a efetivação do artefato artístico. A experiência que o artista e o “espectador” (agora participante) vivenciam juntos com a obra de arte seria um pressuposto na Arte Digital, o que está inserido nas definições e atributos da media art, assim como a utilização das novas tecnologias.
Se a arte até certo momento privilegiou uma postura quase que simplesmente contemplativa tanto do artista como do público, os movimentos de busca por novas formas de manifestação e expressão a partir do final do século XIX - mas principalmente no início do século XX - incitaram ou promoveram criações que estivessem voltadas para a nossa capacidade reflexiva, indagadora, cognitiva e participativa. O que, até certo ponto, possibilitou a ampliação do sentido de arte, das produções artísticas que surgiram a partir de então, especialmente em conexão com os avanços tecnológicos.
Acredito que o posicionamento de Lygia Clark, em meados nos anos de 1960, sobre o papel do artista, considerando as transformações dos movimentos e conceitos que ela vivenciara de forma teórica e prática como artista, traduz em grande parte o que seria a Arte Digital, ou seja, dar ao participante (que era até então somente observador) um papel fundamental no objeto de arte, o objeto só passa a ser importante com o envolvimento do participante, que será, então, um “espectador-autor”.

MACHADO, Arlindo. “Máquina e Imaginário”, in Machado, Arlindo (1993). Máquina e Imaginário: O desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo.

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