Philippe Dubois
O
que são as máquinas semióticas e como elas intermedeiam as nossas
relações sociais e as nossas representações de mundo?
As
máquinas semióticas (símbolos) são dedicadas à tarefa de representação, com
possibilidades para o processamento e produção de signos. Enquanto instrumentos
(technè) promovem a intermediação entre o homem e o mundo no processo de
construção simbólica.
De
acordo com as abordagens desenvolvidas por Dubois (2004), as máquinas,
principalmente a partir do século XIX, vão modificar nossa relação com a
realidade através de processos de captura, de prefiguração, de organização da nossa
visão (câmara escura); de produção de imagens, de inscrição (fotografia); de
visualização, recepção do objeto visual, de contemplação (cinematógrafo); de
transmissão e difusão de imagens (televisão/vídeo); de síntese, de
virtualização da imagem (imagem informática). As máquinas passaram (ainda
passam) por uma sequência espiral de evolução, interferindo decisivamente na
cadeia de produção da imagem. Essa evolução não representa simplesmente um novo
estrato suplementar em cada etapa (momento), formam um “circuito de
representação”, em especial com a informática.
“A
expressão ´novas tecnologias´ no domínio das imagens nos remete hoje a
instrumentos técnicos que vêm da informática e permitem a fabricação de objetos
visuais. Uma perspectiva histórica elementar mostra claramente, porém, que não
foi preciso esperar o advento do computador para se engendrar imagens sobre
bases tecnológicas” (p. 31).
“...
o termo technè corresponde
estritamente ao sentido aristotélico da palavra arte, que designava não as
´belas-artes´ (acepção moderna da palavra, que surge no século XVIII), mas todo
procedimento de fabricação segundo regras determinadas e resultante na produção
de objetos belos ou utilitários” (p. 32).
“A
technè é então, antes de mais nada,
uma arte do fazer humano” (p. 33).
De
acordo com Dubois (2004), “produtos tecnológicos”, compreendidos aqui como “máquinas
de imagens”, exigem, desde os registros humanos nas cavernas do período
paleolítico, dispositivos técnicos de base constituídos de instrumentos
(regras, procedimentos, materiais, construções, peças) e funcionamento
(processo, dinâmica, ação, agenciamento, jogo).
Analisando
parte da linha histórica das tecnologias da imagem, o autor faz uma abordagem
de “quatro entre as ´últimas tecnologias´ que surgiram e sucederam de dois
séculos para cá e introduziram uma dimensão ´máquinica´ crescente no seu
dispositivo, reivindicando sempre uma forma inovadora” (p. 33). São elas: a fotografia; o cinematógrafo; a televisão/vídeo; e a imagem informática.
“Cada
uma destas ´máquinas de imagem´ encarna uma tecnologia e se apresenta como uma
intervenção de certo modo radical em relação às precedentes. A técnica e a
estética nelas se imbricam, dando lugar a ambiguidades e confusões deliberadamente
cultivadas, que tentarei deslindar aqui ao máximo” (p. 33).
A Novidade como Efeito de Discurso
De
acordo com Dubois, a “novidade” associada à questão da tecnologia funciona como
um efeito de linguagem, de tanto ser alardeada em cada momento de forma
recorrente como uma “intenção revolucionária”. E que esse discurso de inovação
se apoia numa retórica e numa ideologia.
“...
todos esses discursos do novo traduzem um hiato completo entre, de um lado, uma
ideologia voluntarista da ruptura franca e do progresso cego (que deriva do
mais puro intencionalismo) e, de outro, uma realidade dos objetos tecnológicos,
que procede do pragmatismo mais elementar. Esse hiato fica patente na
constatação de que cada tecnologia produz, na realidade dos fatos, imagens que
tendem a funcionar esteticamente quase ao contrário do que pretendem os
discursos das intenções (tecnicamente ´revolucionários´)” (p. 35).
O
autor apresenta “três fios” que permitem uma abordagem mais precisa de três
problemáticas da “estética de representação”, o que possibilita a observação
como as diferentes máquinas de imagens das últimas tecnologias tecem variações
numa modulação continua de uma a outra. Os eixos, numa concepção “dialética
conceitual entre dois polos antagônicos”, são: “maquinismo-humanismo”, “semelhança-dessemelhança”
e “materialismo-imaterialidade da imagem” (p. 35-36).
A questão maquinismo-humanismo (o
lugar do Real e do Sujeito)
“...
a máquina, neste estágio (pensemos na câmara escura, por exemplo), é uma máquina
puramente óptica, de pré-figuração, e intervém antes da constituição
propriamente dita da imagem (da qual funciona como uma condição previa)” (p.
36).
“São
como próteses para o olho, não são operadores de inscrição. Esta, que produz
propriamente a imagem, continua se exercendo unicamente pela intervenção
gestual do pintor ou desenhista” (p. 37).
“...
o que aparece claramente também desde este estágio, é que as máquinas, enquanto
instrumento (technè), são intermediários que vêm se inserir entre o homem e o
mundo no sistema de construção simbólica que é o princípio mesmo da
representação” (p. 38).
“...
o advento da imagem
fotográfica, no início do século XIX, vai dispor em novo patamar a
maquinização da figura, estendendo sua intervenção à segunda fase do processo.
A máquina, agora, não se limitará a captar, prefigurar ou organizar a visão
(esta fase já está assegurada e não se perderá tão cedo, a câmara escura permanecerá
a base de três dos quatro outros sistemas), mas produzirá, justamente, a
inscrição propriamente dita.” (p. 38).
“A
´máquina´ intervém aqui, portanto, no coração mesmo do processo de constituição
da imagem, que aparece assim como representação quase ´automática´, ´objetiva´,
´sine manu facta´ (acheiro-poiète). O gesto humano passa a ser um gesto mais de
condução da máquina do que de figuração direta” (p. 38).
“...
à esta tendência à ´desumanização´ do dispositivo de fabricação das imagens,
vai se atribuir cada vez mais uma dimensão axiológica, vendo-se nela uma ´perda
de artisticidade´” (p. 42).
“...
a evolução do maquinico (a história das tecnologias) e o problema do humanismo
ou da artisticidade (questão estética) são duas coisas bem diferentes: o
desenvolvimento daquela não tem necessariamente como correlato a regressão
destes” (p. 43).
“...
com o surgimento do cinematógrafo
no final do século XIX, o avanço do maquinismo cumpre uma etapa suplementar:
desta vez, é uma terceira fase do dispositivo que se tornará ´máquinico´: a
fase da visualização. Uma máquina de ordem três vem assim se acrescentar às
duas outras. (...) uma máquina de recepção do objeto visual: com efeito, só se
pode ver as imagens do cinema por intermédio das máquinas, isto é, no e pelo
fenômeno da projeção” (p. 43).
“...
se o maquinismo ganha nela um estrato a mais no sistema geral das imagens, isto
não resulta numa perda acentuada de aura ou artisticidade. Pelo contrário,
podemos mesmo considerar que a maquinaria cinematográfica é em seu conjunto
produtora de imaginário (dai provavelmente a singularidade exemplar e a força
incomparável do cinema). (...) Sua maquinaria é não só produtora de imagens
como também geradora de afetos, e dotada de um fantástico poder sobre o
imaginário dos espectadores. A máquina do cinema reintroduz assim o Sujeito na
imagem, mas desta vez do lado do espectador e do seu investimento imaginário,
não do lado da assinatura do artista” (p. 44).
“...
vemos assim que a questão da relação maquinismo-humanismo é menos histórica na
progressão contínua (cada vez mais máquina para menos humanidade) do que
filosófica na tensão dialética que sempre varia, mas não linearmente. (,,,) A
dialética entre estes dois polos, sempre elástica, constitui o aspecto
propriamente inventivo dos dispositivos, em que o estético e o tecnológico
podem se encontrar” (p. 45).
“...
em menos de um século, toda a cadeia de produção da imagem (pré-visão,
inscrição, pós-contemplação) se tornou assim progressivamente ´máquinica´, cada
nova máquina não suprimindo as precedentes (estamos longe da lógica da tábua
rasa), mas vindo se acrescentar a elas, como um estrato tecnológico
suplementar, como uma volta a mais numa espiral” (p. 45).
A
indústria tecnológica ganhará cada vez mais terreno...
“Com
o advento e a instalação progressiva da televisão e depois do vídeo (que se estende por muito tempo,
ocupando praticamente toda a primeira metade do século XX), uma espécie de
quarto estrato máquinico vem se superpor aos três outros. O que especifica a
maquinaria televisual e a transmissão. Uma transmissão a distância, ao vivo e
multiplicada” (p. 46).
“A
imagens televisual não é algo que se possua como um objeto pessoal nem algo que
se projete num espaço fechado (como a ´bolha´ da sala escura do cinema); ela é
transmitida para todo lugar ao mesmo tempo. (...) A imagem-tela ao vivo da
televisão, que não tem mais nada de souvenir (pois não tem passado), agora
viaja, circula, se propaga, sempre no presente, onde quer que seja. Ela
transita, passa por diversas transformações, flui como um rio sem fim” (p. 46).
“...
a televisão, no fundo, transformou o espectador – que no anonimato da sala
escura tinha ao menos uma forte identidade imaginária – numa espécie de
fantasma indiferenciado, de tal modo disseminado na luz do mundo que se tornou
totalmente transparente e invisível, e deixou de existir como tal. Agora, ele é
no máximo um número, um alvo, uma taxa de audiência: uma onipresença fictícia,
sem corpo, sem identidade e sem consciência (...) não há mais relação
intensiva, só nos resta o extensivo, não há mais Comunhão, só nos resta a
Comunicação” (p. 46-47).
“Enfim,
depois das maquinarias de projeção e de transmissão, que expandiram no tempo e
no espaço a visualização e a difusão da imagem, uma ´última tecnologia´ veio
completar a panóplia neste último quarto do século XX, e seu impacto histórico
parece (pelo menos) tão importante quanto o das invenções precedentes. Trata-se
da imagem informática, também
chamada de imagem de
síntese, infografia, imagem digital, virtual, etc. A maquinaria que se
introduz aqui é extrema. (...) com a imagem informática, pode-se dizer que é o
próprio ´Real´ (o referente originário) que se torna maquínico, pois é gerado
por computador. (...) Não há mais necessidade destes instrumentos de captação e
reprodução, pois de agora em diante o próprio objeto a se ´representar´
pertence à ordem das máquinas. Ele é gerado pelo programa de computador, e não
existe fora dele. É o programa que o cria, forja e modela o seu gosto. È uma
máquina de ordem cinco (que retoma as outras no seu pondo de origem), não de
reprodução, mas de concepção. Até então, os outros sistemas pressupunham todos
a existência de um Real em si e para si, exterior e prévio, que cabia às
máquinas de imagem reproduzir. Com a imagerie
informática, isto não é mais necessário: a própria máquina pode produzir seu
´Real´, que é a sua imagem mesma. Dito de outro modo, os dois extremos do
processo (o objeto e a imagem, a fonte e o resultado) se encontram aqui para se
tornarem uma coisa só, provocando uma confusão por colisão, uma catástrofe (de
acordo com René Thom e sua teoria da catástrofe)” (p. 47).
“O
próprio mundo se tornou máquinico, isto é, imagem, como numa espiral insana. A
realidade passa a ser chamada de ´virtual´” (p. 48).
“Não
só não há mais ´Real` (nem ´representação´ portanto), como também podemos dizer
que não haja mais imagens. A chamada imagem de síntese, em certo sentido, não
existe: a síntese é apenas um conjunto possível (o programa) cuja atualização
visual é um simples acidente, sem objeto real. (...) a síntese não seria assim
nada mais do que sonham todos os fotógrafos à espera da Revelação. A única
diferença é que, agora, esta imagem virtual não passa de uma das soluções
pré-vistas do programa” (p. 48-49).
A questão semelhança-dessemelhança
“Uma
outra perspectiva de conjunto sobre a história das máquinas de imagem, uma
outra ´linha geral´ que eu gostaria de seguir é a da velha questão da
semelhança (e seu reverso: a desemelhança). (...) assim como, à medida que o
sistema de imagens se sucediam no tempo, o maquinismo parecia crescer em
detrimento da presença e das
intervenções humanas (...) poderíamos pensar, à primeira vista, que o
encadeamento das tecnologias da imagem caminhava unilateralmente em um aumento
constante do grau de analogia e, portanto, das capacidades de reprodução mimética
do mundo, como se cada invenção técnica pretendesse necessariamente aumentar a
impressão de realidade da representação. Veremos porem que esta aparente teleologia também se revela enganosa e que, de
fato, a cada momento da história dos dispositivos, a tensão dialética entre
semelhança e dessemelhança reaparece – e independentemente dos dados
tecnológicos, pois a questão em jogo é estética” (p. 49).
“Com
o desenvolvimento espetacular da imagem fotográfica, o ganho de realismo na imagem aparecerá como
imediato e todos o proclamarão. (...) À comodidade e à prontidão do
procedimento, a fotografia acrescentaria uma terceira vantagem, a ´exatidão´. Precisão
dos detalhes, nitidez dos contornos, gradação fiel das cores e, sobretudo,
´verdade das formas´. Em última análise, o ganho de analogia trazido pela
fotografia seria de ordem não só óptica, como também (e mais essencialmente)
ontológica. Seria uma questão de verdade da imagem” (p. 50).
Houve
uma transição de um efeito de realismo, das pinturas, para um efeito de
realidade, da fotografia “(da ordem da estética da mimese). Se o primeiro
encara os dados em termos de semelhanças, o segundo o faz em termos de
existência e de essência. E paradoxalmente, o deslocamento que assim se opera
permite concluir que na postura ontológico-fenomenológica, a semelhança deixa
de ser um critério pertinente...” (p.
51).
“Quando
o cinematógrafo se
instala, um novo ´suplemento de analogia´ imediatamente surge: o realismo
cinematográfico acrescenta ao
realismo do vestígio fotoquímico o da reprodução do movimento, que é um
realismo do tempo” (...) Mesmo que sob uma forma ilusória, que nos engana com
nosso próprio consentimento e prazer, a mimese fílmica expõe o mundo em sua duração
e em seus movimentos (p. 51-52).
“...
com o circuito eletrônico da imagem
do vídeo, não só vemos a imagem do mundo em movimento (tal como ele se
move em sua duração própria), como também a vemos ao vivo. É a mimese do ´tempo
real´: o tempo eletrônico da imagem é (sincronizado com) o tempo do Real. O
realismo da simultaneidade vem se acrescentar ao do movimento para formar uma
imagem que nos parece cada vez mais próxima e decalcada no real, a ponto de
gerar por vezes confusão” (p. 52).
“Tempo
durativo, tempo real, tempo contínuo, a imagem-movimento do cinema e da
televisão/vídeo parece assim levar o mimetismo e a reprodução do mundo ao seu
extremo, até o absurdo...” (p. 53).
Com
a imagem informática:
“A partir do momento em que a máquina deixa de reproduzir para gerar seu
próprio real (que é a sua imagem mesma), é claro que a relação de semelhança
perde um pouco o sentido, pois já não há mais representação nem referente.
(...) não é mais a imagem que imita do mundo, é o ´real´ que passa a se assemelhar
à imagem, Na verdade, trata-se de uma espiral infinita, uma analogia circular,
como uma serpente que morde a própria cauda” (p. 53).
“É
provavelmente por isso que a maior parte das imagens de síntese, apesar de
poder inventar figuras visuais totalmente inéditas e nunca vistas, esforça-se
ao contrário para reproduzir imagens já disponíveis, objetos já conhecido do
mundo. Elas apostam na semelhança (mesmo que falseada ou forçada), não tanto
para mostrar que podem ´fazer tudo´, mas porque não sabem mais o que fazer (o
que seja diferente) (p. 53).
“...
a questão da semelhança não é uma questão técnica, mas estéticas. Assim, se o
analogismo encontrou nos diversos sistemas de representação anteriormente
evocados um terreno aparentemente propício à sua expansão, cabe notar porem que
isto concerne apenas a certa forma de figuração – parcial, ainda que
semelhante. (...) Toda representação implica sempre, de uma maneira ou de
outra, uma dosagem entre semelhança e dessemelhança. E a história estética das
máquinas de imagens, esse traçado de linhas gerais, é feita de sutis
equilíbrios entre esses dados” (p. 54).
“...
a dimensão mimética da imagem corresponde a um problema de ordem estética, e não
é sobredeterminada pelo dispositivo tecnológico em si mesmo. Todo dispositivo
tecnológico pode, com seus próprios meios, jogar com a dialética entre
semelhança e dessemelhança, analogia e desfiguração, forma e informe. A bem da
verdade, é exatamente este jogo diferencial e modulável que a condição da
verdadeira invenção em matéria de imagem: a invenção essencial é sempre
estética e nunca ética” (p. 57).
Podemos
dizer que a pintura, a fotografia, o cinema, a televisão são suplementos de
analogia. Assim como a informática, mas esta vai além.
A questão
materialidade-imaterialidade
“...
de início poderíamos ver aqui também uma progressão quase contínua e
unilateral, na sucessão dos sistemas, de uma desmaterialização crescente da
imagem, que se tornaria cada vez mais ´objetal´ e mais ´virtual´. (...) Veremos,
porem, mais uma vez que este esquema teleológico é extremamente redutor e que
devemos absolutamente dialetizá-lo, evitando a confusão entre os terrenos
estéticos e tecnológicos. (...) a imagem da pintura é, entre as que nos ocupam aqui, aquela cuja
materialidade é mais diretamente sensível. (...) Para que quer que tenha não só
visto, mas também tocado um tela com a mão, sentido sua espessura e sua
consistência, sua lisura ou sua rugosidade, não há dúvida: a pintura atinge um
extremo de materialidade concreta, tátil, literalmente papável. (...)
Comparativamente, a imagem
fotográfica, objeto múltiplo ou ao menos reprodutível, possui certamente
menos relevo e menos corpo. Sua tactilidade é uma questão não tanto de material
figural quanto de objectualidade figurativa. (...) a foto é um objeto físico,
que pode pegar nas mãos, apalpar, triturar, carregar, dar, esconder, roubar,
colecionar, tocar, acariciar, rasgar, queimar, etc. Não raro, existe mesmo uma
certa intensidade fetichista nos usos particulares que se pode fazer deste
objeto, frequentemente pequeno, pessoal, íntimo, que possuímos e que nos obseda”
(p. 60-61).
“É
com o cinema que
este caráter ´objetal´ da imagem vai se atenuar claramente, até quase
desvanecer. Com efeito, a imagem cinematográfica pode ser considerada
duplamente imaterial: de um lado, enquanto imagem refletida; de outro, enquanto
imagem projetada. (...) podemos até tocar ou atingir a matéria da tela
(rasgá-la, manchá-la, cobri-la, arrancá-la, colori-la...), nem por isso
conseguiremos atingir a imagem, que permanece, para além de seu suporte
material, uma entidade fisicamente distinta, e inacessível às mãos do
espectador” (p. 61-62).
A
segunda impalpabilidade da imagem cinematográfica é referente á projeção. “... a
imagem que o espectador crê ver consiste não apenas num reflexo, como também
numa ilusão perceptiva produzida pelo desenrolar da película a 24 imagens por
segundo. O movimento representado (de um corpo, um objeto, etc.) , tal como o vemos na tela, não existe efetivamente
em nenhuma imagem real. A imagem-movimento é uma espécie de ficção que só
existe para nossos olhos e nosso cérebro. Fora daí, ela não é visível – é uma imagem
tão imaginada quanto vista, tão subjetiva quanto objetiva. No fundo, a imagem
de cinema não existe enquanto objeto ou matéria” (p. 62-63).
“Com
a imagem da tela catódica (da televisão e do vídeo), este processo de desmaterialização parece se acentuar
ainda mais, e de maneira muito clara. Se a imagem do cinema pode ser dita
duplamente imaterial quando a observamos na tela, o espectador não deixa de
saber que, na sua base (isto é, no projetor e na cabine), existe uma imagem
prévia, ela sim dotada de imaterialidade: o filme-película. (...) Com a imagem
eletrônica da televisão e do vídeo, que é também uma imagem-movimento que passa
numa tela, esta realidade ´objetal´ de uma imagem material, que seria visível
na sua base, desapareceu. Não existe mais imagem-fonte. Não há mais nada pra se
ver que seja material (paradoxo de algo intitulado justamente vídeo – ´eu vejo´)”
(p. 63).
“... enquanto o cinema ainda dispunha, em sua
base, do elementar fotograma (sua imagem de base ainda era uma imagem), o vídeo
não tem nada a oferecer como unidade mínima visível além do ponto de varredura
da trama – algo que não pode ser imagem e que nem se quer existe como objeto.
Desse modo, a imagem de vídeo não existe como objeto. Desse modo, a imagem de
vídeo não existe no espaço, mas apenas no tempo. (...) Sem corpo nem
consistência, a imagem eletrônica só serve, poderíamos dizer, para ser
transmitida” (p. 64).
“...
com os sistemas de imagens ligados à informática e produzidos por computador, o processo de
desmaterialização parece atingir seu ponto extremo. Em primeiro lugar, enquanto
imagem visualizável numa tela, a imagem de computador é comparável à imagem
eletrônica do vídeo (tela fosforescente, varredura de uma trama por um feixe de
elétrons etc.). (...) Além disso, antes deste lugar de visualização final que é
a máquina da tela, a imagem informática é, como sabemos, uma imagem puramente
virtual. Ela se limita a atualizar uma possibilidade de um programa matemático,
e se reduz em última análise a um sinal, nem mesmo analógico, mas numérico, ou
seja, a uma sequência de algarismos, a uma série de algoritmos. Estamos longe
da material-imagem da pintura, do objeto-fetiche da fotografia, e mesmo da
imagem-sonho do cinema que vem de um fotograma tamgível. A imagem informática é
menos uma imagem que uma abstração. Nem mesmo uma visão do espírito, mas do
produto de um cálculo” (p. 64-65).
“Daí
provavelmente, como um reflexo compensatório, o desenvolvimento particular neste
domínio de tudo que concerne à reconstituição de efeitos de materialidade. Esta
parece fazer tanta falta em informática que acaba provocando uma espécie de
hipertrofia do tato.” O autor cita então: o controle remoto; o mouse; o teclado; as “telas táteis”.
(...) Foi sobretudo nas pesquisas acerca da chamada ´realidade virtual´ que se
afirmou esta corrida ruma a uma (falsa) materialidade do tato.” Os capacetes de
visão; luvas de dados; e sensores.
“É
o triunfo da simulação, em que a impressão de realidade dá lugar a impressão da
presença, e o usuário experimente a simulação como um real. Neste universo, não
só a imagem perdeu o corpo, como também o próprio real, inteiro, parece ter-se
volatilizado, dissolvido, descorporificado numa total abstração sensorial” (p.
66).
“Hipertrofia
do ver e do tocar, por parte de um sistema de representação tecnológica que
carece cruelmente de ambos, por ter dado as costas ao Real. As telas se
acumularam a tal ponte que apagaram o mundo. Elas nos tornaram cegos pensando
que poderiam nos fazer ver tudo. Elas nos tornaram insensíveis pensando que
poderiam nos fazer sentir tudo” (p. 67).
DUBOIS,
Philippe. Máquinas de imagens: uma questão de linha geral. In: DUBOIS, Philippe
Cinema, Video, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Págs. 31 – 67.