sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A Questão da Técnica - Martin Heidegger


Para Heidegger, a técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica, e que questionamos a técnica quando questionamos o que ela é. Para ele, os dois enunciados para essa questão - (1) “técnica é um meio para os fins.” e (2) “técnica é um fazer do homem.” -  estão relacionados, pois estabelecer fins e para isso arranjar e empregar os meios constitui um fazer humano.
Essa concepção de técnica, de acordo com Heidegger, segundo a qual ela é um meio e um fazer humano, pode ser chamada de determinação instrumental e antropológica da técnica, e que a técnica moderna também é um meio para fins. Nesse sentido, “todo esforço para conduzir o homem a uma correta relação com a técnica é determinado pela concepção instrumental da técnica. Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a técnica enquanto meio.”
Entretanto, Heidegger indaga sobre a importância ou possibilidade de não tratarmos a técnica como mero meio, alertando para o fato de que não está errado tratá-la como determinação instrumental, mas ainda que seja correta a determinação instrumental da técnica, isso não nos mostra sua essência - ou a verdade.
Desta forma, ele propõe dois questionamentos: “o que é o instrumental mesmo? Onde se situam algo como um meio e um fim?” Atribui então à causa um aspecto fundamental neste questionamento, destacando que as quatro causas, de acordo com a tradição filosófica, (1) a causa materialis, (2) a causa formalis, (3) a causa finalis e (4) a causa efficiens, representa a técnica como meio. Heidegger questiona essa definição e afirma que enquanto a doutrina das quatro causas não for examinada, “a causalidade e com ela o instrumental e, junto a este, a determinação usual da técnica permanecerão na escuridão e destituídos de fundamento”.
A partir dessas e outras considerações, Heidegger discorre sobre o comprometimento, entendido normalmente como causalidade, o que inviabiliza o entendimento sobre o que é propriamente o instrumental, que reside no que é causal. E após uma exposição sobre as questões referentes ao “comprometimento”, que pode ser entendido como “ocasionamento”, Heidegger chega ao “desocultamento”, um “desabrigar”, algo que surge (trazer à frente), que tratamos como verdade, mas para Heidegger tem a ver com a essência da técnica, “pois no desabrigar se fundamenta todo produzir.” Nesse sentido, a técnica não é simplesmente um meio, é um modo de desabrigar, que pode ser tratado como verdade.
Heidegger reconhece que se trata de uma perspectiva estranha, mas que pode contribuir para o entendimento da palavra “técnica”, que ele define não simplesmente como nome para o fazer e poder manual, mas também para as artes superiores e belas artes, pertence também ao produzir, é algo poético.
No entanto, Heidegger ainda chama a atenção para o fato da palavra técnica desde os tempos mais antigos na Grécia dar nome para o conhecer em sentido amplo, que significa ter um bom conhecimento de algo, ter uma boa compreensão de algo. Assim “o conhecer dá explicação e, enquanto tal, é um desabrigar”.
De acordo com esse apontamento, “técnica é um modo de desabrigar. A técnica se essencializa no âmbito onde acontece o desabrigar e o desocultamento.” O que seria válido para “o pensar grego” ou para a técnica manual, mas não para a moderna técnica das máquinas de força, e, de acordo com Heidegger, é justamente esta técnica que inquieta. E volta a questionar: “O que é técnica moderna?”
Ainda pode ser vista como um desabrigar, mas não como um levar à frente, e sim como um desafiar que estabelece, para a natureza, a exigência de fornecer energia suscetível de ser extraída e armazenada. Explorar, transformar, armazenar e distribuir caracterizam esse desabrigar, que “desabriga para si mesmo os seus próprios e múltiplos caminhos engrenados, porque os dirige. A direção mesma, por seu turno, é conquistada em todos os lugares. A direção e a segurança tornam-se inclusive os traços fundamentais do desabrigar desafiante.”
Para tratar desse “desabrigar desafiante” da técnica moderna, Heidegger utiliza a palavra “subsistência”, mas não no sentido de “previsão”. “Ela significa nada menos do que o modo pelo qual tudo o que é tocado pelo desabrigar desafiante se essencializa. Aquilo que subsiste no sentido da subsistência não nos está mais colocado diante de nós como um objeto.”
Heidegger acrescenta as palavras “colocar” e “encomendar”, ao lado de “subsistência”, como fundamental na busca desse entendimento da técnica moderna como o desabrigar que desafia. No entanto: “Quem completará o pôr que desafia, pelo qual o que denominamos como sendo o real se desabrigará como subsistência? Manifestamente será o homem. Em que medida ele torna possível tal desabrigar?” Pois a técnica moderna não é um mero fazer humano. O desafiar, segundo Heidegger, fará o homem requere o real enquanto subsistência tal como se mostra.
Neste sentido, Heidegger denomina essa invocação desafiadora, “...que reúne o homem a requerer o que se descobre enquanto a subsistência de armação <Ge-stell>.” E explica que o significado corriqueiro da palavra “armação” é um objeto.
“Armação significa a reunião daquele pôr que o homem põe, isto é, desafia para desocultar a realidade no modo do requerer enquanto subsistência. Armação significa o modo de desabrigar que impera na essência da técnica moderna e não é propriamente nada de técnico.
A armação não é um fazer humano, e nesse aspecto, a determinação instrumental da técnica é ilusória. Neste ponto, Heidegger coloca a ciência exata da natureza, desde o século XXVII, a serviço da técnica moderna, ainda que esta tenha somente na segunda metade do século XVIII. De acordo com esse entendimento, a técnica moderna só passa a ser viável a partir dos argumentos da ciência exata da natureza.
“A moderna teoria física da natureza é a preparação, não da técnica, mas da essência da técnica moderna. Pois o recolher que desafia no desabrigar requerente já impera na física, embora propriamente ainda não se manifeste nela. A física moderna é, em sua proveniência, a desconhecida precursora da armação. Por muito tempo a essência da técnica moderna ainda se oculta, mesmo ali onde máquinas de força são inventadas, onde a eletrotécnica e a técnica atômica são colocadas em curso.”
Heidegger afirma então que é um equívoco pensar a técnica moderna como uma ciência da natureza aplicada. O que ocorre é que a essência da técnica moderna reside na armação, que necessita empregar a ciência exata da natureza. Porem, a simples referência ao nome armação como sendo a essência da técnica moderna não é a resposta à questão da técnica. Neste sentido, Heidegger discorre sobre o que ele denominou “armação”.
“A armação não é nada de técnico, nada de tipo maquinal. É o modo segundo o qual a realidade se desabriga como subsistência.” Heidegger prossegue afirmando que “a essência da técnica moderna conduz o homem para o caminho daquele desabrigar por onde o real, em todos os lugares mais ou menos captável, torna-se subsistência.” Ou seja, a armação enquanto desafio, é um envio do destino, sendo que destino seria um produzir, e o destino do desabrigar domina os homens.
O destino para Heidegger é justamento o que conduz o homem à liberdade, e a liberdade é o que leva a um desabrigamento para o seu caminho. Pensando a armação como um destino do desabrigar: “já nos mantemos na liberdade do destino que de modo algum nos aprisiona numa coação apática, fazendo com que perpetuemos cegamente a técnica ou, o que permanece a mesma coisa, nos insurjamos desamparadamente contra ela e a amaldiçoemos como obra do diabo. Ao contrário: se nos abrirmos propriamente à essência da técnica, encontrar-nos-emos inesperadamente estabelecidos numa exigência libertadora.”
Heidegger vê o destino do desabrigar como “o perigo”, e se o destino se apresenta como armação ele é o maior perigo, pois “a armação não põe apenas em perigo o homem em sua relação consigo mesmo e com tudo o que é. Enquanto destino, ela aponta para o desabrigar do tipo do requerer.” Ou seja, essa armação encobre o desabrigar enquanto verdade. Desta forma, a ameaça dos homens não vem primeiramente das máquinas e aparelhos da técnica, mas na impossibilidade do homem perceber a verdade.
A partir dessa perspectiva do perigo do domínio da armação, Heidegger cita Hölderlin (“Mas onde há perigo, cresce também a salvação”) para a necessidade de busca por uma “salvação” diante do perigo preconizado. Ao discorrer sobre o que seria de fato essa “salvação” e sobre o sentido último de “essência”, Heidegger afirma que estaria justamente na armação a possibilidade do homem se salvar, e seria atentando para a essência da técnica.
“Assim, a essencialização da técnica abriga em si o que menos poderíamos supor, o possível emergir da salvação.”
Não sendo a essência da técnica nada de técnico, Heidegger entende que é imperativo a meditação essencial sobre a técnica, desenvolvendo uma discussão que aproxima e distancia da essência da técnica. Desta forma, a arte, através da meditação, seria uma possibilidade de “salvação”. Heidegger afirma que quanto mais refletirmos de forma questionadora, mais nos aproximamos do caminho que salva. “Pois o questionar é a devoção do pensamento.”

Heidegger, M. (2002). Ensaios e Conferências (E. C. Leão, G. Fogel & M. S. C. Schubak, Trans.). Petrópolis: Editora Vozes.

sábado, 10 de novembro de 2012

Meu Diário para o DMAD - UAb/Algarve


Este espaço será usado para registrar apontamentos, reflexões e questões referentes aos Processos de Comunicação Digital. Será o meu diário sobre o desenvolvimento dos trabalhos e de propostas para o Doutoramento em Média-Arte Digital (DMAD) da Universidade Aberta e Universidade do Algarve de Portugal.