quarta-feira, 13 de março de 2013

Narrativas Transmidia


Uma proposta de narrativa transmedia procura colocar a audiência/fã inserido no projeto por meio de diferentes pontos de acesso, criando uma experiência interativa, imersiva e participativa. O conteúdo deverá permitir ao espectador/fã se sentir como parte da proposta, influenciando na elaboração e desenvolvimento das ações (da história).

Segundo Jenkins, uma narrativa transmedia se desenvolve através de múltiplos suportes midiáticos, contribuindo para o entendimento e desdobramento do todo. Na narrativa transmidiática cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia, deve ser autônomo, para que não seja, por exemplo, necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa.

A partir dos levantamentos e dos estudos realizados sobre a temática, considerando os pressupostos para a definição de uma proposta na perspectiva de uma narrativa transmedia, apresento “Tron Legacy”, lançado em 2010, que é a continuação do filme Tron, de 1982. Além do Game “Tron Evolution”, que conta a história entre o primeiro e o segundo filme, teve a produção de um ARG que dá indícios do enredo do segundo filme, além de e-books que constroem o universo e mostram mais detalhes sobre a história, o universo e os personagens.

Quanto aos princípios da narrativa transmedia:

Potencial de Compartilhamento X Profundidade: não se trata de uma característica forte da produção, mas com um número considerável de fãs, a proposta de continuidade da primeira edição, com a ampliação e diversificação dos suportes, os resultados são relativamente positivos;

Continuidade X Multiplicidade: existe plausibilidade nos conteúdos, mas foram acrescentados versões para os personagens, além de novos personagens, e universos paralelos para o encadeamento e desenvolvimento da história;

Imersão x Extração: como se trata de uma franquia da Disney, foram criados no parque temático da Flórida diversos ambientes e dispositivos inspirados no filme, reproduzindo efeitos, ambientes e personagens. Além de diversos produtos que pode ser adquiridos com as temáticas da produção;

Construção de Universos: são apresentadas extensões que oferecem descrições ricas do universo onde a narrativa principal se desenvolve;

Serialidade: além de estar dividido em duas partes principais, a franquia apresenta núcleos narrativos no ARG e uma série de animação para a televisão, onde os autores procuram apresentar acontecimentos entre a primeira e a segunda partes do filme;

Subjetividade: conta com narrativas realizadas pelos personagens em dimensões fora do ambiente principal onde a história se desenvolve;

Performance: diversos fâs procuram espaços para realizar performances, além de muitas manifestações na internet.

Ponderações...

Os diversos filmes de animação, principalmente voltados para as crianças (Toy Story, Carros, A Era do Gelo, Alvin e os esquilos, Ben 10, etc.), não são necessariamente exemplos de narrativas transmedia, no entanto, gostaria de tratar brevemente essa questão que está diretamente relacionada às abordagens de Jenkins sobre convergência cultural numa perspectiva econômica.

De certa forma, acredito que a atual geração, que nasceu na cultura da convergência, que vivencia essa condição de narrativas que não ficam restritas a um formato específico de meios e suportes, talvez tenham (ou terão) dificuldades em simplesmente se verem como expectadores (no cinema, na televisão, no computador, nos dispositivos móveis...) sem ter a possibilidade ou oportunidade de uma “interação/imersão” com as histórias, com os personagens e as tramas elaboradas e desenvolvidas. Existe, nesse sentido, uma relação estreita com as argumentações de Prensky sobre o conceito de “nativos digitais”. Trata-se de uma geração que possui a fluência desse novo contexto sócio-técnico-cultural, o que acaba resultando em conflitos com a geração dos “migrantes digitais” (nascidos antes da década de 1980, segundo o referido autor) por terem um tipo de relação com a “realidade” ou com a “cultura” essencialmente intermediado pelas tecnologias digitais. Ou seja, como nos exemplos trazidos pelos colegas para essa atividade, a maioria das produções não ficam restritas a um suporte, a um formato (como estamos constatando em narrativas transmidiáticas), ou são releituras/desdobramentos de “histórias” criações e apresentadas anteriormente através de livros, revistas, gibis, jogos, etc., ou são criações inéditas que “migram” para outras formas de “exibição/exploração/comercialização” - livros, revistas, jogos, games, materiais diversos para consumo (camisetas, bolas, cadernos, mochilas, etc.).

Isso será uma prática cada vez mais intensificada por uma indústria cultural (sem querer ignorar ou sustentar o anacronismo e/ou necessidade de novas perspectivas para o termo) ainda mais potente e sem limites, onde a maioria das pessoas continuarão consumindo sem perceber e, ao mesmo tempo, exigindo que seja assim? Entendo que esta questão está relacionada com argumentações de Jenkins sobre a cultura da convergência que amplia o poder da mídia de massa e que vivemos a busca por novas experiências de entretenimento.

No entanto, podemos analisar por outro ângulo. A cultura do entretenimento digital altera nossas formas de lidar e de desenvolver certas ações, principalmente em relação às práticas já estabelecidas e consolidadas em nossa cultura. Essas novas dinâmicas sócio-culturais podem estar preparando as novas gerações para um “outro” mundo, para novos procedimentos e práticas mais pertinentes diante de uma quantidade cada vez maior de informações, contribuindo para o desenvolvimento de competências mais adequadas para a operacionalização de dispositivos de todas as formas e que estarão presentes em todos os lugares.

Uma questão que considero importante é saber se e como será possível identificar o que de fato poderá contribuir para ampliação da nossa capacidade crítica e efetivamente participativa na construção de uma sociedade melhor.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Cibercultura e Cultura da Convergência: por uma cultura participativa!?


Analisando a configuração atual da nossa sociedade, é inevitável não questionar sobre as relações e influências diretas e indiretas das tecnologias digitais nas vidas de todos nos, sobre o nosso posicionamento e as nossas condições frente a esta conjuntura social, denominado por alguns estudiosos de “Cibercultura”, ou seja, frente a um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores, que se desenvolvem juntamente com o crescimento das tecnologias digitais de informação e comunicação, mas principalmente pelo acesso e expansão da internet (LEVY, 1999).
Dispositivos e inúmeros softwares e aplicativos das tecnologias digitais de informação e comunicação, em especial a partir da WEB 2.0, vêm influenciando e determinando (re)configurações no âmbito social e cultural.
A sociedade da informação é uma realidade mundial. A Internet já é uma realidade mundial, interligando todos os países do planeta, os telefones celulares estão em franca expansão, os serviços de governo eletrônico são implementados ao redor do mundo, comunidades e redes sociais nascem com as ferramentas sociais da Web 2.0, formas de ativismo político e protestos emergem utilizando as tecnologias e redes informacionais como suporte... O mundo da cibercultura está longe de ser uma utopia, e o futuro aponta para o desafio de uma ciberdemocracia global. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 23)
Ainda que grande parte da população não se encontre contemplada com acesso direto e significativo aos avanços tecnológicos, nos encontramos inseridos na “Cultura Digital”, e a elaboração de dispositivos equitativos comprometidos com a inclusão digital da população deve representar um aspecto chave nas políticas voltadas para o conhecimento crítico e o acesso qualitativo às tecnologias digitais.
Lemos e Lévy (2010) ponderam sobre a atual condição ou situação da sociedade a partir do uso e avanços da internet, assim como suas implicações diante dos recursos e movimentos proporcionados com a Web 2.0. Entendem que a computação social aumenta as possibilidades da Inteligência Coletiva, que apontam para uma sociedade mais livre e democrática. No entanto, isto implica em ações voltadas para a ampliação do acesso à população aos dispositivos e recursos que resultaria em uma possível “evolução cultural”.
De acordo com Castells (2000) vivemos em um mundo digital. As transformações tecnológicas estão se expandindo pela capacidade de criar interfaces a partir de linguagens digitais. Para esse autor, o desenvolvimento científico e tecnológico é elemento fundamental para o nosso progresso.
Diante desse cenário, acreditamos que a evolução contemporânea do acesso às tecnologias, da liberdade de expressão no ciberespaço e das diversas ferramentas interativas, participativas e colaborativas da Web, representa ou pode representar profundas possibilidades para o efetivo desenvolvimento de uma sociedade mais crítica, democrática e equitativa.
Para isso, é fundamental que tenhamos a compreensão das mudanças que vivenciamos com a reconfiguração na esfera comunicacional para que possamos perceber a irreversível necessidade de termos todos os membros da sociedade inseridos nessa dinâmica.
O entendimento dos aspectos relacionados à cibercultura, dos princípios que norteiam a contemporaneidade com a apropriação das tecnologias digitais, pode representar um caminho promissor nas mudanças que estão ocorrendo e que deverão continuar nos próximos anos. Para além de um conhecimento puramente técnico, operacional, a consciência acerca dos fundamentos dessa cultura digital é que poderá proporcionar uma transformação social voltada para uma participação efetiva e qualitativa de todos.
A cibercultura tem como princípios a “liberação da palavra”, “a conexão e a conversação mundial” e “a reconfiguração social, cultural e política”. Está voltada para um processo de emancipação social, em direção a uma democracia planetária (LEMOS; LÉVY, 2010).
A liberação da palavra seria a diversificação das vozes a partir da conexão em rede, a liberdade de expressão e a livre comunicação permitindo a troca de informação entre pessoas e comunidades, o que resulta na “liberação da emissão”.
A transformação da esfera midiática pela liberação da palavra se dá com o surgimento de funções comunicativas pós-massivas que permitem a qualquer pessoa, e não apenas empresas de comunicação, consumir, produzir e distribuir informação sob qualquer formato em tempo real e para qualquer lugar do mundo. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 25)
O princípio da conexão e da conversação mundial, denominado por Lévy (1999) de “inteligência coletiva”, emerge a partir da liberação da palavra. Esse princípio criaria uma “interconexão planetária”, resultando em manifestações coletivas ao mesmo tempo local e global.
A partir dessas mudanças, temos a reconfiguração das estruturas sociais, com uma maior participação das pessoas no acesso, na produção e distribuição de conteúdos, assim como nos processos comunicacionais (LEMOS, 2003). Não se trata de substituição, mas de uma transformação com formas diversificadas de acesso e uso dos dispositivos e recursos disponíveis com as tecnologias digitais.
Há, portanto, uma reconfiguração do sistema infocomunicacional global, onde, pela primeira vez, aparecem dos sistemas em retroalimentação e conflito: os sistemas infocomunicacionais massivo e pós-massivo. Na estrutura massiva do controle de emissão – a industria cultural clássica – a informação flui de um polo controlado para as massas (os receptores). Com o surgimento e expansão do ciberespaço, esse modelo está sendo tensionado pela emergência de função pós-massiva. Aqui a liberação da emissão não é apenas liberar a palavra no sentido de uma produção individual, mas colocar em marcha uma produção que se estabelece como circulação e conversação. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 26)
Os três princípios da cibercultura contribuem com pensamentos e atitudes em um formato colaborativo, plural e aberto. A produção, distribuição e compartilhamento de informações de forma ampla e consistente permitirá o desenvolvimento de uma sociedade mais inteligente e politicamente consciente. Conforme afirma Lemos (2003), podemos aproveitar a potência que essas tecnologias nos oferecem para produzir conteúdo, para compartilhar informação, o que permitiria enriquecer a cultura e modificar o fazer político, principalmente em países como o Brasil.
O objetivo é utilizar o potencial das ferramentas comunicacionais digitais para expressão livre dos movimentos sociais e das articulações e reivindicações político-ativistas. O que está em jogo é o alcance planetário para questões locais; a livre expressão para publicação de informações; a colaboração e participação; a inclusão digital. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 28)
            Ou seja, a inclusão digital é um pressuposto e um ação de relevância fundamental para as conquistas e perspectivas que se apresentam a partir desse cenário da cibercultura, de conhecimento, participação e envolvimento coletivo da sociedade nas transformações políticas, culturais e sociais. O desenvolvimento efetivo de uma cultura voltada para a participação (cultura participativa).

Este contexto e os pressupostos apontados por Lemos a partir da Cibercultura estão diretamente relacionados com a Cultura da Convergência desenvolvida por Jenkins. “Convergência, de acordo com Jenkins, ocorre ´dentro dos cérebros´ dos consumidores e ´através de suas interações sociais com os outros´.  Assim como os fluxos de informação através de diferentes canais de mídia, para fazer nossas vidas, trabalho, fantasias, relacionamentos, e assim por diante.” (NAVARRO. 2010)

A atual concepção de convergência para Jenkins não é simplesmente tecnológica, mas essencialmente cultural, que vem promovendo impactos e grandes mudanças (ou necessidades de mudanças) na estética, no conhecimento e na educação, na política e na economia. A cultura de convergência para além de consolidar o poder dos produtores de mídia, permite uma maior participação e envolvimento dos “consumidores”, que cada vez mais ampliam as capacidades de autonomia e conhecimento, exigindo novas posturas dos produtores.

Os consumidores de conteúdos de mídia, de acordo com Jenkins, são agentes criativos que ajudam a definir a forma como os conteúdos de mídia são utilizados. A Convergência de mídias, por permitir maior acesso à cultura em geral, ampliou a possibilidade de participação das pessoas, no entanto, o acesso às tecnologias ainda é desigual.

Jenkins demonstra grade preocupação com a desigualdade no acesso à tecnologia, assim como a desigualdade nas formas de apropriação e utilização dos recursos e dispositivos tecnológicos, o que resulta na exclusão da cultura de participação. Por outro lado, se mostra entusiasmado com o potencial para diversificar o conteúdo da nossa cultura e democratizar o acesso aos meios de comunicação. O que pode representar uma expansão significativa do potencial criativo da nossa sociedade.

Para Jenkins, toda nova tecnologia abre ricas possibilidades para a comunicação humana e para a expansão de formas significativas das nossas capacidades cognitivas. Mas também implica em perdas de algumas técnicas que até então são valorosas e amplamente utilizadas. O autor afirma que os avanços das tecnologias digitais irão promover uma drástica expansão da nossa capacidade de criar, de aprender e de se organizar. A questão que teremos que enfrentar é como equilibrar (conciliar) as novas habilidades com as virtudes e práticas importantes de outros tempos.

A inteligência coletiva, segundo Jenkins, pode representar uma maneira de avançar sobre a necessidade contemporânea de termos uma cultura de experiências diversificadas e de múltiplas formas de conhecimento, pois é impossível para alguém conseguir assimilar e saber sobre tudo diante do excesso de informações das novas mídias. É fundamental que nossos estudantes tenham uma formação voltada para o pensamento crítico, que possa aprimorar mecanismos que permitam selecionar o que de fato é relevante e trabalhar coletivamente, de aprender uns com os outros. Somente coletivamente será possível lidar com problemas complexos que vão muito além das competências individuais.

Referências
CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A Sociedade em rede. São Paulo :  Paz e Terra, 2000.  v. 1
LEMOS, A. Cibercultura: alguns pontos para compreender a época.  In LEMOS, A. & CUNHA, P. (orgs), Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003.
LEMOS, A.; LÉVY, P. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
NAVARRO, V. Sites of Convergence: An Interview for Brazillian Academics. 2010 - Disponível em <http://br-mg5.mail.yahoo.com/neo/launch?.rand=eff36oe1nm53p#mail>  acesso em 01 de fevereiro de 2013.
JENKINS, H. Welcome to Convergence Culture. 2006 – Disponível em <http://henryjenkins.org/2006/06/welcome_to_convergence_culture.html> - acesso em 31 de janeiro de 2013.