Analisando
a configuração atual da nossa sociedade, é inevitável não questionar sobre as
relações e influências diretas e indiretas das tecnologias digitais nas vidas
de todos nos, sobre o nosso posicionamento e as nossas condições frente a esta
conjuntura social, denominado por alguns estudiosos de “Cibercultura”, ou seja,
frente a um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores, que se desenvolvem juntamente
com o crescimento das tecnologias digitais de informação e comunicação, mas
principalmente pelo acesso e expansão da internet (LEVY, 1999).
Dispositivos e inúmeros softwares e aplicativos das
tecnologias digitais de informação e comunicação, em especial a partir da WEB
2.0, vêm influenciando e determinando (re)configurações no âmbito social e
cultural.
A sociedade da
informação é uma realidade mundial. A Internet já é uma realidade mundial,
interligando todos os países do planeta, os telefones celulares estão em franca
expansão, os serviços de governo eletrônico são implementados ao redor do
mundo, comunidades e redes sociais nascem com as ferramentas sociais da Web 2.0, formas de ativismo político e
protestos emergem utilizando as tecnologias e redes informacionais como
suporte... O mundo da cibercultura está longe de ser uma utopia, e o futuro
aponta para o desafio de uma ciberdemocracia global. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 23)
Ainda que grande parte da população não se encontre
contemplada com acesso direto e significativo aos avanços tecnológicos, nos
encontramos inseridos na “Cultura Digital”, e a elaboração de dispositivos
equitativos comprometidos com a inclusão digital da população deve representar
um aspecto chave nas políticas voltadas para o conhecimento crítico e o acesso
qualitativo às tecnologias digitais.
Lemos e Lévy (2010) ponderam sobre a atual condição
ou situação da sociedade a partir do uso e avanços da internet, assim como suas
implicações diante dos recursos e movimentos proporcionados com a Web 2.0.
Entendem que a computação social aumenta as possibilidades da Inteligência
Coletiva, que apontam para uma sociedade mais livre e democrática. No entanto,
isto implica em ações voltadas para a ampliação do acesso à população aos
dispositivos e recursos que resultaria em uma possível “evolução cultural”.
De acordo com Castells (2000) vivemos em um mundo
digital. As transformações tecnológicas estão se expandindo pela capacidade de
criar interfaces a partir de linguagens digitais. Para esse autor, o
desenvolvimento científico e tecnológico é elemento fundamental para o nosso
progresso.
Diante desse cenário, acreditamos que a evolução
contemporânea do acesso às tecnologias, da liberdade de expressão no
ciberespaço e das diversas ferramentas interativas, participativas e
colaborativas da Web, representa ou pode representar profundas possibilidades
para o efetivo desenvolvimento de uma sociedade mais crítica, democrática e
equitativa.
Para isso, é fundamental que tenhamos a compreensão
das mudanças que vivenciamos com a reconfiguração na esfera comunicacional para
que possamos perceber a irreversível necessidade de termos todos os membros da
sociedade inseridos nessa dinâmica.
O entendimento dos aspectos relacionados à
cibercultura, dos princípios que norteiam a contemporaneidade com a apropriação
das tecnologias digitais, pode representar um caminho promissor nas mudanças
que estão ocorrendo e que deverão continuar nos próximos anos. Para além de um
conhecimento puramente técnico, operacional, a consciência acerca dos
fundamentos dessa cultura digital é que poderá proporcionar uma transformação
social voltada para uma participação efetiva e qualitativa de todos.
A cibercultura tem como princípios a “liberação da
palavra”, “a conexão e a conversação mundial” e “a reconfiguração social,
cultural e política”. Está voltada para um processo de emancipação social, em
direção a uma democracia planetária (LEMOS; LÉVY, 2010).
A liberação da palavra seria a diversificação das
vozes a partir da conexão em rede, a liberdade de expressão e a livre
comunicação permitindo a troca de informação entre pessoas e comunidades, o que
resulta na “liberação da emissão”.
A transformação da
esfera midiática pela liberação da palavra se dá com o surgimento de funções
comunicativas pós-massivas que permitem a qualquer pessoa, e não apenas
empresas de comunicação, consumir,
produzir e distribuir informação sob qualquer formato em tempo real e para
qualquer lugar do mundo. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 25)
O princípio da conexão e da conversação mundial, denominado
por Lévy (1999) de “inteligência coletiva”, emerge a partir da liberação da
palavra. Esse princípio criaria uma “interconexão planetária”, resultando em manifestações
coletivas ao mesmo tempo local e global.
A partir dessas mudanças, temos a reconfiguração das
estruturas sociais, com uma maior participação das pessoas no acesso, na
produção e distribuição de conteúdos, assim como nos processos comunicacionais (LEMOS,
2003). Não se trata de substituição, mas de uma transformação com formas
diversificadas de acesso e uso dos dispositivos e recursos disponíveis com as
tecnologias digitais.
Há, portanto, uma
reconfiguração do sistema infocomunicacional global, onde, pela primeira vez,
aparecem dos sistemas em retroalimentação e conflito: os sistemas
infocomunicacionais massivo e pós-massivo. Na estrutura massiva do controle de
emissão – a industria cultural clássica – a informação flui de um polo
controlado para as massas (os receptores). Com o surgimento e expansão do
ciberespaço, esse modelo está sendo tensionado pela emergência de função pós-massiva.
Aqui a liberação da emissão não é apenas liberar a palavra no sentido de uma
produção individual, mas colocar em marcha uma produção que se estabelece como
circulação e conversação. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 26)
Os três princípios da cibercultura contribuem com
pensamentos e atitudes em um formato colaborativo, plural e aberto. A produção,
distribuição e compartilhamento de informações de forma ampla e consistente
permitirá o desenvolvimento de uma sociedade mais inteligente e politicamente
consciente. Conforme afirma Lemos (2003), podemos aproveitar a potência que
essas tecnologias nos oferecem para produzir conteúdo, para compartilhar
informação, o que permitiria enriquecer a cultura e modificar o fazer político,
principalmente em países como o Brasil.
O objetivo é utilizar o
potencial das ferramentas comunicacionais digitais para expressão livre dos
movimentos sociais e das articulações e reivindicações político-ativistas. O
que está em jogo é o alcance planetário para questões locais; a livre expressão
para publicação de informações; a colaboração e participação; a inclusão
digital. (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 28)
Ou seja, a inclusão digital é um
pressuposto e um ação de relevância fundamental para as conquistas e
perspectivas que se apresentam a partir desse cenário da cibercultura, de
conhecimento, participação e envolvimento coletivo da sociedade nas
transformações políticas, culturais e sociais. O desenvolvimento efetivo de uma
cultura voltada para a participação (cultura participativa).
Este contexto e os pressupostos apontados por
Lemos a partir da Cibercultura estão diretamente relacionados com a Cultura da
Convergência desenvolvida por Jenkins. “Convergência, de acordo com Jenkins,
ocorre ´dentro dos cérebros´ dos consumidores e ´através de suas
interações sociais com os outros´. Assim
como os fluxos de informação através de diferentes canais de mídia, para fazer
nossas vidas, trabalho, fantasias, relacionamentos, e assim por diante.”
(NAVARRO. 2010)
A atual concepção de convergência para Jenkins não é simplesmente
tecnológica, mas essencialmente cultural, que vem promovendo impactos e grandes
mudanças (ou necessidades de mudanças) na estética, no conhecimento e na
educação, na política e na economia. A cultura de convergência para além de
consolidar o poder dos produtores de mídia, permite uma maior participação e
envolvimento dos “consumidores”, que cada vez mais ampliam as capacidades de
autonomia e conhecimento, exigindo novas posturas dos produtores.
Os consumidores de conteúdos de mídia, de acordo com Jenkins, são
agentes criativos que ajudam a definir a forma como os conteúdos de mídia são
utilizados. A Convergência de mídias, por permitir maior acesso à cultura em
geral, ampliou a possibilidade de participação das pessoas, no entanto, o
acesso às tecnologias ainda é desigual.
Jenkins demonstra grade preocupação com a desigualdade no acesso à
tecnologia, assim como a desigualdade nas formas de apropriação e utilização
dos recursos e dispositivos tecnológicos, o que resulta na exclusão da cultura
de participação. Por outro lado, se mostra entusiasmado com o potencial para
diversificar o conteúdo da nossa cultura e democratizar o acesso aos meios de
comunicação. O que pode representar uma expansão significativa do potencial
criativo da nossa sociedade.
Para Jenkins, toda nova tecnologia abre ricas
possibilidades para a comunicação humana e para a expansão de formas
significativas das nossas capacidades cognitivas. Mas também implica em perdas
de algumas técnicas que até então são valorosas e amplamente utilizadas. O
autor afirma que os avanços das tecnologias digitais irão promover uma drástica
expansão da nossa capacidade de criar, de aprender e de se organizar. A questão
que teremos que enfrentar é como equilibrar (conciliar) as novas habilidades
com as virtudes e práticas importantes de outros tempos.
A inteligência coletiva, segundo Jenkins, pode representar uma maneira
de avançar sobre a necessidade contemporânea de termos uma cultura de
experiências diversificadas e de múltiplas formas de conhecimento, pois é
impossível para alguém conseguir assimilar e saber sobre tudo diante do excesso
de informações das novas mídias. É fundamental que nossos estudantes tenham uma
formação voltada para o pensamento crítico, que possa aprimorar mecanismos que
permitam selecionar o que de fato é relevante e trabalhar coletivamente, de
aprender uns com os outros. Somente coletivamente será possível lidar com
problemas complexos que vão muito além das competências individuais.
Referências
CASTELLS, M. A era da informação:
economia, sociedade e cultura. In: A
Sociedade em rede. São Paulo : Paz e
Terra, 2000. v. 1
LEMOS,
A. Cibercultura: alguns pontos para
compreender a época. In LEMOS, A. & CUNHA, P. (orgs), Olhares sobre a cibercultura. Porto
Alegre: Sulina, 2003.
LEMOS, A.; LÉVY, P.
O futuro da internet: em direção a
uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010.
LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
NAVARRO,
V. Sites of Convergence: An Interview for Brazillian Academics. 2010 - Disponível
em <http://br-mg5.mail.yahoo.com/neo/launch?.rand=eff36oe1nm53p#mail>
acesso em 01 de fevereiro de 2013.
JENKINS,
H. Welcome to Convergence Culture. 2006
– Disponível em <http://henryjenkins.org/2006/06/welcome_to_convergence_culture.html>
- acesso em 31 de janeiro de 2013.
Muito interessante a sua reflexão, Eduardo.
ResponderExcluirPergunto-me sempre se esta participação se efetiva realmente enquanto criação do próprio usuário ou se este apenas responde a estímulos pensados e calculados pela indústria cultural.