quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA


Walter Benjamin

“A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutividade Técnica” foi escrito entre os anos de 1935 e 1936, traz uma série de questões acerca dos aspectos e mudanças envolvendo a arte no início do século XX. A “reprodutibilidade técnica” seria a entrada do processo industrial na produção artística.
Walter Benjamin trata de forma específica do cinema e da fotografia como obra de arte, sobre como a “máquina” interfere diretamente na expressão do artista, assim como em sua exposição. Apresenta contrapontos sobre as novas formas de produção e reprodução em relação à pintura e ao teatro. O autor apresenta o “aqui e agora” como a unidade da obra arte, que ele chama de aura, como uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais. “O aqui e agora do original constitui o conceito da sua autenticidade.” A reprodutibilidade técnica, na concepção de Benjamin, tira da obra de arte sua aura.
Como a “máquina”, e outros elementos, interferem diretamente na produção de um filme ou de uma fotografia, caberia questionar se podem ser considerados obra de arte. Várias considerações teórico-filosóficas e históricas são apresentadas por Benjamin sobre os entendimentos e concepções de arte, estética e outros aspectos envolvendo a arte.
A reprodutibilidade técnica apresenta, na concepção de Benjamin, um lado positivo, a possibilidade de democratização da arte com a disponibilização da obra para um maior número de pessoas.
Esse fichamento, considerando as parte mais relevantes do texto, foi realizado para que possa ser utilizado na elaboração de futuros trabalhos.

I
“Por princípio a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens tinham feito sempre pode ser imitado por homens.” (p. 75)
“Em oposição a isto, a reprodutibilidade técnica da obra de arte é algo de novo que se vai impondo, intermitentemente na história, em fases muito distanciadas umas das outras, mas com crescente intensidade.” (p. 75)
“Com a litografia, a técnica de reprodução registra um avanço decisivo.” (p. 76)
“A litografia permitiu às artes gráficas irem ilustrando o quotidiano. Começaram a acompanhar a impressão. Mas poucas décadas após a invenção da litografia, as artes gráficas foram ultrapassadas pela fotografia. Pela primeira vez, com a fotografia, a mão liberta-se das mais importantes obrigações artísticas no processo de reprodução de imagens, as quais, a partir de então, passam a caber unicamente ao olho que espreita por uma objetiva.” (p. 76)
“Se o jornal ilustrado estava virtualmente oculto na litografia, também na fotografia o está o filme sonoro” (p. 76)
“No início do século XX, a reprodução técnica tinha atingido um nível tal que começara a tornar objeto seu, não só a totalidade das obras de arte provenientes de épocas anteriores, e a submeter os seus efeitos às modificações mais profundas, como também a conquistar o seu próprio lugar entre os procedimentos artísticos.” (p. 77)

II
“Mesmo na reprodução mais perfeita falta uma coisa: o aqui e agora da obra de arte – a sua existência única no lugar em que se encontra. É, todavia, nessa existência única, e apenas aí, que se cumpre a história à qual, no decurso da sua existência, ela esteve submetida. ” (p. 77)
“O aqui e agora do original constitui o conceito da sua autenticidade.” (p. 77)
“O domínio global da autenticidade subtrai-se à reprodutibilidade técnica – e, naturalmente, não só a esta. Mas enquanto o autêntico mantém a sua autoridade total relativamente à sua reprodução manual que, regra geral, é considerada uma falsificação, isto não sucede relativamente à reprodução técnica. Para tanto há um motivo duplo: em primeiro lugar, relativamente ao original, a reprodução técnica surge como mais autônoma do que a manual. (...) em segundo lugar, pode colocar o original em situação que nem o próprio original consegue atingir.” (p. 78)
“As situações a que se pode levar o resultado da reprodução técnica da obra de arte, e que, aliás, podem deixar a existência da obra de arte incólume, desvalorizam-lhe, de qualquer modo, o seu aqui e agora.” (p. 78)
“A autenticidade de uma coisa é a soma de tudo que desde a origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico.” (p. 79)
“... o que murcha na era da reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura. O processo é sintomático, o seu significado ultrapassa o domínio da arte. Poderia caracterizar-se a técnica de reprodução dizendo que liberta o objeto reproduzido do domínio da tradição. Ao multiplicar o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a ocorrência em massa. Na medida em que permite à reprodução ir ao encontro de quem apreende, atualiza o reproduzido em cada uma das suas situações. Ambos os processos provocam um profundo abalo do reproduzido, um abalo da tradição que é o reverso da crise atual e a renovação da humanidade. (...) O seu agente mais poderoso é o filme. O seu significado social também é imaginável, na sua forma mais positiva, e justamente nela, mas não sem o seu aspecto destrutivo e catártico: a liquidação do valor da tradição na herança cultural. Este fenômeno é mais evidente nos grandes filmes históricos. Cada vez engloba mais posições no seu domínio.” (p. 79)

III
“O modo em que a percepção sensorial do homem se organiza – o medium em que ocorre – é condicionado não só naturalmente, como também historicamente. A época das grades invasões, em que surgiram a indústria de arte do Baixo Império e a Gênese de Viena, tinha não só uma arte diferente da antiguidade como também uma outra percepção.” (p. 80)
“É aconselhável ilustrar o conceito de aura, acima proposto para objetos históricos, com o conceito de aura para objetos naturais.” (p. 81)
“Cada dia se torna mais imperiosa a necessidade de dominar o objeto fazendo-o mais próximo na imagem, ou melhor, na cópia, na reprodução. E a reprodução, tal como nos é fornecida por jornais ilustrados e semanários, diferencia-se inconfundivelmente do quadro. Neste, o caráter único e a durabilidade estão tão intimamente ligados, como naqueles a fugacidade e a repetitividade. Retirar o invólucro a um objeto, destroçar a sua aura são características de uma percepção, cujo ´sentido para o semelhante no mundo´  se desenvolveu de forma tal que, através da reprodução, também o capta no fenômeno único. Assim, manifesta-se no domínio do concreto o que no domínio da teoria se torna evidente, com o crescente significado da estatística.” (p. 81)

IV
“A singularidade da obra de arte é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Essa tradição, ela própria, é algo de completamente vivo, algo de extraordinariamente mutável.” (p. 82)
 “O culto foi a expressão original da integração da obra de arte no seu contexto tradicional. Como sabemos, as obras de arte mais antigas surgiram ao serviço de um ritual, primeiro mágico e depois religioso. É, pois, de importância decisiva que a forma de existência desta aura, na obra de arte, nunca se desligue completamente da sua função ritual.” (p. 82)
De acordo com a concepção de Singularidade de Benjamin, podemos defini-la também como AURA. Que ele destaca como algo que se tenha perdido na reprodutibilidade técnica da obra de arte. Benjamin apresenta a definição de aura como: “a manifestação única de uma lonjura, por mais próxima que esteja mas não representa do que a formulação do valor de culto da obra de arte, em categorias da percepção espacial e temporal. Lonjura é o oposto de proximidade. A lonjura essencial é a inacessível. (...) A proximidade propiciada pela sua matéria não afeta a lonjura que mentem depois de sua manifestação.”
“Quando, com o aparecimento da fotografia, o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário (que coincide com o alvorecer do socialismo), a arte sente a proximidade da crise que, cem anos mais tarde, se tinha tornado inequívoca, reagiu com a doutrina da ´I´art pour l´art´, que é uma teologia da arte. Dela surgiu precisamente uma teologia negativa na forma de uma arte ´pura´ que recusa, não só qualquer função social da arte, como também toda a finalidade através de uma determinação concreta.” (p. 83)
“... a reprodutibilidade técnica da obra de arte emancipa-a, pela primeira vez na história do mundo, da sua existência parasitária no ritual. A obra de arte reproduzida, torna-se cada vez mais a reprodução de uma obra de arte que assenta na reprodutibilidade.” (p. 83)
“... com o fracasso do padrão de autenticidade na reprodução de arte, modifica-se também a função social da arte. Em vez de assentar no ritual, passa a assentar numa outra praxis: a política.” (p. 84)

V
“A recepção da arte verifica-se com diversas tônicas, das quais se destacam duas, polares. Uma assenta no valor de culto, a outra no valor de exposição da obra de arte.” (p. 84)
“O alce representado pelo homem da idade da pedra, nas paredes das suas cavernas, é um instrumento mágico. É certo que ele o expõe perante os homens, mas é principalmente dedicado aos espíritos. Hoje o valor de culto parece requerer que a obra de arte permaneça oculta. (...) Com a emancipação de cada uma das práticas da arte, do âmbito ritual, aumentam as oportunidades de exposição dos seus produtos. ” (p. 86)
“Com os diversos métodos de reprodução técnica da obra de arte, a sua possibilidade de exposição aumentou de forma tão poderosa que o desvio quantitativo entre ambos os seus polos, tal como originalmente existiam, se traduz numa alteração qualitativa da sua natureza. Nos primórdios, a obra de arte, devido ao peso absoluto que assentava sobre o seu valor de culto, transformou-se, principalmente, num instrumento da magia que só mais tarde foi, em certa medida, reconhecido como obra de arte. Da mesma forma, atualmente, a obra de arte devido ao peso absoluto que assenta sobre o seu valor de exposição, passou a ser uma composição com funções totalmente novas, das quais se destaca a que nos é familiar, a artística, e que, posteriormente, talvez venha a ser reconhecida como acidental.” (p. 86-87)

VI
“No culto da recordação dos entes queridos, ausentes ou mortos, o valor de culto da imagem tem o seu último refúgio. Na expressão efêmera de um rosto humano acena, pela última vez, a aura das primeiras fotografias. (...) Mas quando o homem se retira da fotografia, o valor de exposição sobrepõe-se, pela primeira vez, ao valor do culto.” (p. 87)

VII
“A controvérsia travada no decurso do século XIX, entre a pintura e a fotografia relativamente ao valor artístico dos seus produtos, parece hoje dúbia e confusa. (...) Na medida em que a era da reprodutibilidade técnica da arte a desligou dos seus fundamentos de culto, extinguiu para sempre a aparência da sua autonomia. Mas a alteração da função da arte, que com isso se verificou, deixou de existir na perspectiva do século. O mesmo sucedeu no século XX, que assistiu à evolução do cinema.” (p. 88)
“Já se tinha dedicado muita reflexão vã à questão de saber se a fotografia seria uma arte – sem se ter questionado o fato de através da invenção da fotografia, se ter alterado o caráter global da arte – e, logo a seguir, os teóricos do cinema sucumbiram ao mesmo erro.” (p. 89)
“É significativo que, ainda hoje, autores particularmente reacionários procurem um significado do filme na mesma direção, senão no sagrado, pelo menos no sobrenatural.” (p. 90)

VIII
“Não há dúvida de que no teatro o desempenho artístico do ator é apresentado ao público pela sua própria pessoa; pelo contrário, o desempenho artístico de ator de cinema é apresentado ao público por um equipamento, o que tem dois tipos de consequência. (...) a representação do ator é submetida a uma série de testes óticos. Esta é a primeira consequência do fato de a representação do ator de cinema ser apresentada pelo equipamento. A segunda assenta no fato de que uma vez que o ator de cinema não representa perante o público, não pode adaptar, durante a atuação, o seu desempenho à reação do mesmo, possibilidade reservada apenas ao ator de teatro. (...) A identificação do público com o ator só sucede na medida em que aquele se identifica com o equipamento. Assimila, pois, a sua atitude: testa. Isto não é atitude a que se possam expor valores de culto.” (p. 90-91)

IX
“Para o cinema é mais importante que o ator se apresente perante a câmara a si próprio do que perante o público como outrem.” (p. 91)
“A aura que se manifesta em torno de um Macbeth não pode ser separada da que, para um público ao vivo, rodeia o ator que representa aquele personagem. A especificidade do registro em estúdio cinematográfico reside no fato de colocar o equipamento no lugar do público. Assim, a aura que envolve o ator tem de desaparecer e, por conseguinte, também a do personagem representado.” (p. 92)
“Para a obra de arte que surge integralmente da sua reprodução técnica – como o filme – não há maior contraste que o palco. Qualquer observação cuidadosa prova este fato. (...) O ator que representa no palco, identifica-se frequentemente com um papel. Ao ator de cinema esta possibilidade é frequentemente recusada. A sua atuação não é, de modo nenhum, um trabalho único, mas sim o resultado de várias intervenções. (...) Nada mostra mais claramente que a arte abandonou o império da ´bela aparência´ que, até então, era considerado o único em que podia prosperar.” (p. 93-94)

X
“O ator de cinema nunca deixa de ter consciência deste fato (que sua imagem será projetada para o público). O ator de cinema, quando está perante a câmara, sabe que em última instância está ligado ao público: o público dos receptores, que constituem o mercado.” (p. 95)
“... em determinadas circunstâncias, qualquer um pode ser parte de uma obra de arte; (...) Qualquer homem, atualmente, pode ter a pretensão de ser filmado. Esta pretensão pode ser mais bem clarificada olhando para a situação histórica da escrita contemporânea.” (p. 96)
“Com a crescente expansão da imprensa, que proporcionava aos leitores cada vez mais órgãos locais políticos, religiosos, científicos e profissionais, uma parte cada vez maior dos leitores começou por, de início ocasionalmente, passar a escrever. Tudo isto começou com a imprensa diária a abrir aos leitores o seu ´correio´, e atualmente a situação é tal que quase não deve haver um europeu, inserido no mundo do trabalho, que não tenha tido possibilidade de publicar uma experiência laboral, uma reclamação, uma reportagem, ou algo afim. Assim, a diferença entre autor e público está prestes a perder o seu caráter fundamental. (...) A competência literária deixa de ser fundamentada numa formação especializada para passar a sê-lo numa formação politécnica, tornando-se deste modo em bem comum. Tudo isto pode ser transposto para o cinema, no qual se observam alterações numa década, que relativamente à literatura demoraram séculos a impor-se. (...) Nesta circunstâncias, a indústria cinematográfica tem todo o interesse em incitar a participação das massas, através de concepções ilusórias e especulações ambíguas.” (p. 97-98)

XI
“A realização de um filme, especialmente de um filme sonoro, proporciona um espetáculo como nunca anteriormente, em tempo ou lugar algum, tinha sido imaginável. É um processo onde não existe nenhum ponto de observação que permita excluir do campo visual o equipamento de registro, de iluminação, o pessoal de apoio, etc..” (p. 98)
“... no estúdio cinematográfico, o equipamento penetrou de tal forma na realidade que o seu aspecto puro, livre dos corpos estranhos do equipamento, é o resultado de um procedimento particular, nomeadamente do registro de um aparelho fotográfico ajustado expressamente e da sua montagem com outros registros do mesmo tipo. O aspecto da realidade, isento de aparelhagem, adquiriu aqui o seu aspecto artificial, e a visão da realidade imediata tornou-se um miosótis no mundo da técnica.” (p. 99)
“... como se comporta o operador de câmara relativamente ao pintor? (...) O pintor no seu trabalho, observa uma distância natural relativamente à realidade, o operador da câmara, pelo contrário, intervém profundamente na textura da realidade. Há uma enorme diferença entre as imagens que obtém. A do pintor é total, enquanto a do operador de câmara consiste em fragmentos múltiplos, reunidos devido a uma lei nova.” (p. 100)

XII
“A reprodutibilidade técnica da obra de arte altera a relação das massas com a arte. Reacionárias, diante, por exemplo, de um Picasso, transformam-se nas mais progressistas frente a um Chaplin. (...) O convencional é apreciado acriticamente e o que é verdadeiramente novo é criticado com aversão. No cinema, coincidem as atitudes críticas e de fruição do público. Neste caso, a circunstância decisiva é que em nenhum outro lugar, como no cinema, a reação maciça do público, constituída pela soma da reação de cada um dos indivíduos, é condicionada à partida pela audiência em massa. À medida que essas reações se manifestam, o público controla-as.” (p. 100-101)

XIII
“O que caracteriza o filme é não só a forma como o homem se apresenta perante o equipamento de registro, mas também a forma como, com a ajuda daquele, reproduz o seu meio ambiente.” (p. 102)
“O cinema, em toda amplitude da percepção ótica, e agora também acústica, teve como consequência um aprofundamento semelhante da apercepção. O reverso deste fato reside em que os desempenhos num filme são analisáveis mais exatamente e sob mais pontos de vista do que os desempenhos apresentados num quadro ou no palco. (...) Uma das funções revolucionárias do cinema será a de tornar reconhecíveis como idênticos os aproveitamentos artístico e científico da fotografia, até agora divergentes, na maioria dos casos. Isto porque o cinema, através de grandes planos, do realce de pormenores escondidos em aspectos que nos são familiares, da exploração de ambientes banais com uma direção genial da objetiva, aumenta a compreensão das imposições que regem a nossa existência e consegue assegurar-nos um campo de ação imenso e insuspeitado. (...) Chegou o cinema e fez explodir este mundo de prisões com a dinamite do décimo de segundo, de forma tal que agora viajamos calma e aventurosamente por entre os seus destroços espalhados. (...) A câmara leva-nos ao inconsciente ótico, tal como a psicanálise ao inconsciente das pulsões.” (p. 103-105)
XIV
“Foi, desde sempre, uma das mais importantes tarefas da arte criar uma procura para cuja satisfação plena ainda não chegou a hora. (...) O seu impulso só agora se torna reconhecível: o dadaísmo tentava criar, através da pintura ou da literatura, os efeitos que hoje o público procura no cinema.” (p. 106)
“Perante um quando de Arp ou de um poema de August Stramm é impossível ter a mesma atitude de recolhimento ou de opinião que se tem perante um quadro de Derain ou um poema de Rilke. (...) As manifestações dadaístas asseguravam de fato uma distração intensa colocando a obra de arte no centro de um escândalo. Essa ação tinha que satisfazer, pelo menos, uma exigência: provocar o escândalo público.” (p. 106)
“De espetáculo atraente para o olhar ou sedutor para o ouvido, a obra de arte tornou-se, no dadaísmo, um choque. Afetava o espectador, adquiria uma qualidade tátil. (...) Comparemos a tela em que se desenrola um filme com a que está subjacente a um quadro. Esta última convida o observador à contemplação, perante ela pode entregar-se ao seu próprio processo de associações. Diante do filme não pode fazê-lo, mal registra uma imagem com o olhar e já ela se alterou. Não pode ser fixada. (...) Através da sua estrutura técnica, o filme libertou o efeito de choque físico do invólucro moral em que o dadaísmo ainda o mantinha, de certo modo, envolvido.” (107-108)

XV
“A massa é uma matriz da qual, atualmente, surgem novas formas relativamente aos comportamentos habituais para com a obra de arte. A quantidade transformou-se em qualidade: o número muito mais elevado de participantes provocou uma participação de tipo diferente. (...) O que mais contesta no cinema é a forma de participação que suscita nas massas. (...) Como se vê, no fundo, trata-se da velha queixa de que as massa procuram diversão, mas que a arte exige recolhimento por parte do observador. Trata-se de um lugar-comum. (...) A diversão e o recolhimento formam um contraste que nos permite a seguinte formulação: aquele que se recolhe perante a obra de arte, mergulha nela, entra nesta obra, como esse lendário pintor chinês ao contemplar a sua obra acabada. Pelo contrário, as massas em distração absorvem em si a obra de arte.” (p. 108-109)
“... as tarefas que são apresentadas ao aparelho de percepção humana, em épocas de mudança histórica, não podem ser resolvidas por meios apenas visuais, ou seja, da contemplação. Elas só são dominadas gradualmente, pelo hábito, após a aproximação da recepção tátil.” (p. 110)
“Através da distração que a arte oferece, podemos verificar de modo direto em que medida se terão tornado resolúveis novas tarefas da apercepção. Aliás, como para cada indivíduo existe a tentação de se furtar a tais tarefas, a arte conseguirá resolver as de maior peso e importância se conseguir mobilizar as massas. Concretiza-o no cinema atual. A recepção na diversão, cada vez mais perceptível em todos os domínios da arte, e que é sintoma das mais profundas alterações na apercepção, tem no cinema o seu verdadeiro instrumento de exercício. (...) O cinema rejeita o valor de culto, não só devido ao fato de provocar no público uma atitude crítica, mas também pelo fato de tal atitude crítica não englobar, no cinema, a atenção. O público é um examinador, mas distraído.” (p. 110)


Epílogo
“A crescente proletarização do homem contemporâneo e a crescente formação de massas são duas faces da mesma medalha. (...) À violência sobre as massas a quem, através do culto de ´fuhrer´, o fascismo impõe a subjugação, corresponde a violência que sofre um aparelho utilizado ao serviço da produção de valores de culto.” (p. 111-112)
“´Fiat ars – pereat mundus´ (Que a arte se realize, mesmo que o mundo deva perecer), diz o fascismo e, como Marinetti reconhece, espera que a guerra forneça a satisfação artística da percepção dos sentidos alterados pela técnica. Isto é, evidentemente, a consumação da ´l´art pour l´art´. A humanidade que, outrora, com Homero, era um objeto de contemplação para os deuses no Olimpo, é agora objeto de autoconteplação. A sua auto-alienação atingiu um grau tal que lhe permite assistir à sua própria destruição, como a um prazer estético de primeiro plano.” (p. 113)


Referência

BENJAMIN,  Walter.  A  obra  de  arte  na  era  de  sua  reprodutibilidade  técnica. In:_______________. Magia e Técnica: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.



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